quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Em Brasília, dois assuntos reinam soberanos

Quando eu cheguei em Brasília, eu ainda gostava de política e achei fascinante a idéia de estar pertinho do poder. Achei que as pessoas aqui respiravam política. Que nada. Se engana quem pensa que em Brasília as pessoas se interessam mais sobre as grandes questões do país do que no resto do Brasil. No Recife, qualquer conversa de botequim acaba passando pela política até chegar no futebol. Aqui é bem diferente. Na capital do país, dois assuntos reinam soberanos: a chuva e a seca. Talvez nenhuma outra cidade brasileira viva tão intensamente a sua condição climática, o que, vamos combinar, é muito mais interessante que as calorosas discussões político-partidárias...
Costuma-se dizer por aqui que em Brasília chove apenas uma vez por ano. E que essa chuva dura uns seis meses. Uma piada, claro. Mas que aproxima-se bastante da verdade. Por seis meses, chove-se quase todos os dias. E muito. E forte. O céu fica cinza, preto até. A gente vê a chuva chegando e sabe exatamente quando ela vai cair. Ou melhor: desabar! É possível ouvir os trovões e ver os raios, que algumas vezes chegam a assustar.
Nesse período, pode apostar que a palavra chuva está presente em qualquer diálogo na capital federal. Quase todos os residentes de Brasília comemoram as primeiras chuvas - para, em seguida, começar a lamentá-las. “Finalmente a chuva chegou! Que maravilha!”, “Os gramados estão verdinhos novamente!”, “Adoro este cheiro de terra molhada!” exclamam de felicidade pelos quatro cantos – literalmente – do Distrito Federal. Até as cigarras unem-se ao coro, cantando sem parar. Só eu não costumo aderir às comemorações, embora ache lindo ver o cerrado ressurgindo das cinzas...
Logo, no entanto, os brasilienses daqui e de todas as cidades do país começam a reclamar do aguaceiro que invade todos os cantos da cidade, da fúria das águas e da terra vermelha nas roupas e sapatos. É chegada, então, a hora de ansiar pela seca!
E ela chega. Lá pelos meados de maio ou junho, as nuvens se afastam suavemente, dando espaço ao sol, cada vez mais ardente. Não demora até que as plantas sequem, assim como a pele e a boca dos brasilienses. Os narizes começam a sangrar, enquanto os olhos teimam em arder. Todo esse sofrimento, no entanto, é recompensado com um céu que muda de cor a cada dia: rosa, laranja, amarelo. E também com os lindos ipês coloridos que enfeitam toda a cidade.
Depois de algumas semanas, a baixa umidade passa a ser o principal assunto. Mesmo no rádio e na televisão não se fala em outra coisa. É preciso cuidar-se. Beber água, evitar exercícios em horários muito quentes, usar protetor solar. Então, de repente, todo mundo fica com saudades da chuva.
Até que, quando ninguém agüenta mais respirar tanta fumaça, São Pedro resolve voltar. E, com ele, a cantoria das cigarras! Que não chega a ser um canto como eu imaginava quando, criança, ouvia a fábula da formiga e da cigarra. Para falar a verdade, parece um grito, um apelo, uma grande discussão onde todas elas querem falar ao mesmo tempo. Às vezes, até parece que estão discutindo política...

3 comentários:

Angela disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Angela disse...

Wow!! Descrição perfeita do papo que sempre rola nas rodas de conversa em Brasília!! :)

Anônimo disse...

Minha escritora predileta...
Beijo,

Júlio