quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

No meu coração, neva

Ninguém sabe, mas eu guardo uma casinha verde dentro do meu coração. Uma casinha bem distante, com aspecto rural, perdida numa região gelada dos Estados Unidos. O que a casinha tem de especial? Vou contar... Para começar, devo dizer que em toda a casa, tem um carpete onde eu passeio descalça, ignorando os apelos de que vá calçar meias para aquecer meus pés... E na sala tem uma parede de vidro, de onde, à noite, podemos observar vários animais, que vêm se alimentar por ali. Há também uma cozinha repleta de sabores e quartos cheios de carinho, segurança e simplicidade.
Lá embaixo, fica um porão onde é possível improvisar acampamentos e festinhas. Atrás da casa, não há nada além de uma grande e misteriosa floresta. Mas na frente, há muito espaço para correr e brincar, até mesmo no inverno. É, amigos, vocês não sabem, mas no meu coração, neva. Só que a tal casinha é tão aconchegante que nela ninguém passa frio.
Bom, mas eu ainda nem falei da parte mais incrível. Nessa casinha, moram duas bonequinhas loiras, doces e sapecas. Eternas crianças! Até ouvi dizer que cresceram... Que nada! Aqui dentro, é como a Terra do Nunca do Peter Pan, sabem? Elas permanecem pequenininhas. Uma, colecionando bonecas de porcelana. A outra, globos de água. Uma, dando trabalho para comer. A outra, contando que nunca em toda a sua vida vai beijar na boca – “yuck”. Uma chora e pede que eu não vá embora nunca. A outra estuda português para um dia vir me visitar. Todos os dias elas acordam e dormem aqui dentro de mim. Nesse aconchegante lar, como não poderia deixar de ser, mora também uma mãe – com todos os adjetivos que esta palavra pede: amiga, protetora, carinhosa.
Certa vez, ouvi dizer que o amor morava ali. É isso mesmo, querido Bruce. E que outro endereço pode ter o amor senão o coração?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Boró

Já fazia um certo tempo que ele morava ali, numa área nobre de Brasília, região central, avenida grande, arborizada. Morava sozinho. Todas as vezes que eu passava em frente à casa dele – que mesmo sendo um barraco de lona não deixava de ser uma casa – olhava para ver se ele estava por lá.

Achava divertida a iniciativa dele de colocar, próximo à pista, uma placa apontando para a sua própria casa, com os dizeres “Boró”. Concluí que aquele era o nome dele e contei a história para o meu marido, que também passou a se interessar pela vida daquele senhor misterioso.

Quem seria Boró? O que fazia? Por que ele teria colocado aquela placa? Boró teria filhos? Algum parente? Parecia que não, já que nunca víamos mais ninguém por ali. Boró era um solitário, o que tornava não apenas o personagem, mas a placa ainda mais interessante.

Boró era tema de longas conversas entre meu marido e eu. Achávamos muito justo ele ter direito a uma placa, um endereço. Ainda mais aqui em Brasília, a cidade das placas. Aquela iniciativa era, para nós, uma forma de dizer ao mundo que ele também era gente, cidadão, que morava, que tinha um endereço.

Certo dia, comentando sobre o nosso personagem urbano preferido, uma amiga nos deu um verdadeiro “banho de água fria”. Explicou que boró era uma espécie de isca para pesca muito comum aqui em Brasília. O tal senhor, deduziu minha amiga, devia vender Boró. "Por isso a placa", revelou, sem imaginar o tamanho da nossa decepção.

Ficamos em silêncio. Nunca mais poderíamos rir da placa, conversar, hipotetizar... Desde então, passamos a olhar para a casa do Boró com certo carinho e uma ponta de frustração.

Outro dia, passei por lá e percebi que ele foi embora, ninguém sabe para onde. Mudou-se de vez, levou o barraco e os poucos pertences. E o que é pior: levou a placa que tanto nos inspirou. Nunca mais teremos notícias dele. Que pena.

Boró, onde você estiver, obrigada! Nossa relação foi muito boa enquanto durou.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O meu lugar

Toda noite, depois da nossa leitura, ele se acomoda na cama, arruma o cobertor, levanta o braço e me diz: pronto, pode vir para o seu lugar. E eu vou. Coloco a cabeça no seu ombro e ele deita o braço sobre mim. E assim permanecemos alguns minutos. Poucos. Tempo suficiente para eu sentir que ele encontrou a definição exata. Aquele é o meu lugar, só meu, e não existe nenhum outro canto do planeta onde eu preferisse estar. Às vezes, a gente aproveita este momento para conversar sobre alguma coisa que aconteceu no dia. Outras, simplesmente ficamos em silêncio. Mas sempre, sem sombra de dúvida, este é o melhor momento do meu dia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Crianças

Na quadra onde eu moro, tem muitos parquinhos e, conseqüentemente (ou não), muitas crianças. Todos os dias, quando desço para ir ao salão de beleza, ao pilates, à farmácia, eu as encontro pelo caminho. Elas têm vários tamanhos e idades. Há uma mãe que passeia com seus gêmeos de um ano, mais ou menos, e ainda uma menininha um pouco maior. Ela passa sempre muito séria e eu a compreendo, porque deve estar tão cansada... Lá perto, tem também uma academia com escola de natação para crianças. Pela manhã, é possível ver aquela fila de mães e babás corujas, olhando suas crianças, torcendo, mandando – muitas vezes sem sucesso - que obedeçam à tia.

Eu sempre gostei de crianças. Cada uma que passa arranca, pelo menos, um sorriso meu. Olho tanto para elas, que já encontrei três ou quatro perdidas dos pais em shoppings, festas e supermercados, em ocasiões diferentes. Quando acontece, tento acalmar o pequeno e acabo achando o “responsável” - se é que podemos chamar assim - rapidamente.

Mas o que eu quero dizer é que, ultimamente, ando me comovendo muito quando vejo um pai passeando com a sua criança. E conversando com ela, ensinando, brincando e, até mesmo, dando uma bronca – coisa que presenciei semana passada, no shopping. Uma bronca carinhosa, de quem educa, de quem se preocupa em criar um homem de verdade.

Não sei exatamente o motivo deste súbito encantamento assim tão forte. Talvez seja porque eu sempre quis ser mãe, sempre soube que um dia seria e sempre me imaginei passeando com os meus bebês por aí. Sempre imaginei uma “Manuela” com as minhas bochechas e o meu cabelo loirinho. Mas só recentemente tenho começado a pensar no meu amor como pai. A imaginar uma criança com a carinha dele. A pensar que tipos de programas eles – pai e filho – vão fazer juntos. E a cada dia me convenço mais que, assim como ele é o melhor marido que eu poderia encontrar, será também um pai maravilhoso. E lindo.

PS – Não, amigos, eu não estou grávida!!! Deve ser apenas um instinto maternal crescendo... rsrs

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Arianos

Há alguns anos, uma colega desenhou o meu mapa astral. Não que eu seja lá muito interessada nesses assuntos astrológicos, mas lembro-me bem que ela me explicou cada detalhe daquele desenho que mais parecia um calendário antigo... Segundo ela, as pessoas de Áries têm iniciativa, são desbravadoras, corajosas, criativas. Para que eu pudesse compreender melhor, ela me falou que um exemplo de um ariano “típico” é o Moisés. Sim, aquele que liderou o povo judeu em fuga da escravidão e guiou seu povo no deserto durante quarenta anos... Não estão ligando o nome à pessoa? Fácil: Moisés é aquele que dividiu o Mar Vermelho, abrindo passagem para os judeus. Bem, eu devo confessar que fiquei bastante vaidosa com a comparação. Quem não ficaria?

Lamentavelmente, amigos, a explicação não acabou aí. Minha colega continuou falando sobre Moisés - cuja história eu conhecia tão pouco. O líder judeu morreu sem chegar à terra que tanto sonhara. Sim, meus caros, é também característica típica do nosso signo (meu e de Moisés) não concluir o que começou, não chegar ao fim, não realizar. Percebendo o meu choque diante dessa informação, a doce e atenciosa colega começou a falar dos arianos como pessoas com uma missão especial, líderes que “abrem os caminhos” para que outros possam realizar...

Mas eu não consegui mais prestar atenção. Só pensava em tudo aquilo que eu já tinha “deixado pelo caminho”. Nas coisas que comecei e não terminei. E, entre tantas lembranças, é claro que o pensamento colocou uma lente de aumento naquilo que mais me causa frustração: o fato de não conseguir, nunca, terminar de escrever uma história. Quantos capítulos, contos, livros eu já comecei e esqueci, como diria o caderno do Toquinho, “num canto qualquer”. Quantas anotações, cadernos e blocos espalhados. Quantas idéias soltas na cabeça. Quantos arquivos perdidos por computadores antigos. Quantos blogs abandonados à própria sorte neste mundo virtual... Tantas vezes já repeti para mim mesma que “dessa vez” eu iria, sim, escrever o meu livro.

E o mais curioso é que as pessoas queridas me incentivam e chegam até a me cobrar. Elas acreditam em mim, acham que um dia esse bendito livro sai. É legal contar com essa torcida tão especial. E, se querem saber, eu também acredito. Afinal, segundo me explicou a minha colega naquele mesmo dia, arianos costumam ser pessoas bastante otimistas.