Já fazia um certo tempo que ele morava ali, numa área nobre de Brasília, região central, avenida grande, arborizada. Morava sozinho. Todas as vezes que eu passava em frente à casa dele – que mesmo sendo um barraco de lona não deixava de ser uma casa – olhava para ver se ele estava por lá.
Achava divertida a iniciativa dele de colocar, próximo à pista, uma placa apontando para a sua própria casa, com os dizeres “Boró”. Concluí que aquele era o nome dele e contei a história para o meu marido, que também passou a se interessar pela vida daquele senhor misterioso.
Quem seria Boró? O que fazia? Por que ele teria colocado aquela placa? Boró teria filhos? Algum parente? Parecia que não, já que nunca víamos mais ninguém por ali. Boró era um solitário, o que tornava não apenas o personagem, mas a placa ainda mais interessante.
Boró era tema de longas conversas entre meu marido e eu. Achávamos muito justo ele ter direito a uma placa, um endereço. Ainda mais aqui em Brasília, a cidade das placas. Aquela iniciativa era, para nós, uma forma de dizer ao mundo que ele também era gente, cidadão, que morava, que tinha um endereço.
Certo dia, comentando sobre o nosso personagem urbano preferido, uma amiga nos deu um verdadeiro “banho de água fria”. Explicou que boró era uma espécie de isca para pesca muito comum aqui em Brasília. O tal senhor, deduziu minha amiga, devia vender Boró. "Por isso a placa", revelou, sem imaginar o tamanho da nossa decepção.
Ficamos em silêncio. Nunca mais poderíamos rir da placa, conversar, hipotetizar... Desde então, passamos a olhar para a casa do Boró com certo carinho e uma ponta de frustração.
Outro dia, passei por lá e percebi que ele foi embora, ninguém sabe para onde. Mudou-se de vez, levou o barraco e os poucos pertences. E o que é pior: levou a placa que tanto nos inspirou. Nunca mais teremos notícias dele. Que pena.
Boró, onde você estiver, obrigada! Nossa relação foi muito boa enquanto durou.
2 comentários:
Lindo! Rezinha por favor cumpra este desejo nosso de comentar a poesia cotidiana com seu apurado olhar, sempre!
Me emociona te ler!
Bis
Suzy
Tão lindo!
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