quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Boró

Já fazia um certo tempo que ele morava ali, numa área nobre de Brasília, região central, avenida grande, arborizada. Morava sozinho. Todas as vezes que eu passava em frente à casa dele – que mesmo sendo um barraco de lona não deixava de ser uma casa – olhava para ver se ele estava por lá.

Achava divertida a iniciativa dele de colocar, próximo à pista, uma placa apontando para a sua própria casa, com os dizeres “Boró”. Concluí que aquele era o nome dele e contei a história para o meu marido, que também passou a se interessar pela vida daquele senhor misterioso.

Quem seria Boró? O que fazia? Por que ele teria colocado aquela placa? Boró teria filhos? Algum parente? Parecia que não, já que nunca víamos mais ninguém por ali. Boró era um solitário, o que tornava não apenas o personagem, mas a placa ainda mais interessante.

Boró era tema de longas conversas entre meu marido e eu. Achávamos muito justo ele ter direito a uma placa, um endereço. Ainda mais aqui em Brasília, a cidade das placas. Aquela iniciativa era, para nós, uma forma de dizer ao mundo que ele também era gente, cidadão, que morava, que tinha um endereço.

Certo dia, comentando sobre o nosso personagem urbano preferido, uma amiga nos deu um verdadeiro “banho de água fria”. Explicou que boró era uma espécie de isca para pesca muito comum aqui em Brasília. O tal senhor, deduziu minha amiga, devia vender Boró. "Por isso a placa", revelou, sem imaginar o tamanho da nossa decepção.

Ficamos em silêncio. Nunca mais poderíamos rir da placa, conversar, hipotetizar... Desde então, passamos a olhar para a casa do Boró com certo carinho e uma ponta de frustração.

Outro dia, passei por lá e percebi que ele foi embora, ninguém sabe para onde. Mudou-se de vez, levou o barraco e os poucos pertences. E o que é pior: levou a placa que tanto nos inspirou. Nunca mais teremos notícias dele. Que pena.

Boró, onde você estiver, obrigada! Nossa relação foi muito boa enquanto durou.

2 comentários:

Suzanne Serruya disse...

Lindo! Rezinha por favor cumpra este desejo nosso de comentar a poesia cotidiana com seu apurado olhar, sempre!
Me emociona te ler!
Bis
Suzy

Ana Lourdes disse...

Tão lindo!