quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Haja amor!

Meu amor, preciso te contar que nós acabamos de voltar do Recife, onde ficamos dez dias na casa de vovó Ana. Você foi à praia pela primeira vez e também tomou banhos de sol na beira da piscina - só não demos um mergulho por causa da água fria... Foram dias maravilhosos. Você fica muito feliz e à vontade na casa da sua avó. Tenho certeza que você sente todo o amor e a felicidade dela em te receber. Diferente da outra vez em que fomos lá, você e Marininha já interagiram um pouco uma com a outra. Mamãe não tem palavras para descrever a felicidade de ver vocês duas juntinhas, como irmãs. Queria que você soubesse que Bruninho vive te enchendo de beijos e cantando para fazer você rir. Já Raul sempre para a brincadeira para vir fazer um carinho em você. Meu coração explode de alegria ao ver este laço de afeto e amizade entre você e seus primos. Haja amor!

Dor da separação

Minha pequena, algumas pessoas me disseram que depois de alguns meses em casa com você, eu já estaria louca para voltar ao trabalho porque cuidar de um bebê é algo "desgastante" e "repetitivo" e "ninguém aguenta fazer só isso por muito tempo". É claro que as pessoas que disseram isso não te conheciam.
Faltando apenas cinco dias para eu voltar ao trabalho, eu não consigo pensar em ficar cinco horas por dia longe de você sem sentir um aperto enorme no coração. Não, filha, eu não estou cansada de "só cuidar de você". E ficar cinco horas longe significa perder cinco horas de gracinhas e fofuras. Significa perder cinco horas de denguinho, brincadeiras, descobertas. Cinco horas de puro amor.
Parte desse tempo, você vai ficar com papai e outra parte com Maria, nossa empregada, que gosta muito de você. Mamãe tem certeza que você ficará bem cuidada, mas ainda assim o coração dói e as lágrimas brotam no rosto sempre que eu penso na separação. No entanto, sei que vamos passar por isso e que cada reencontro será uma grande festa.



terça-feira, 23 de setembro de 2014

Amor, solidariedade e saudade

A primeira vez que estive na casa de Abelardo, eu não tinha noção de que eu estava diante de uma lenda das artes plásticas. Eu e minhas amigas pouco conhecíamos desse universo, mas aceitamos a sugestão da nossa professora de que ele fosse o tema do nosso projeto experimental para conclusão do curso de jornalismo. Queríamos um tema que fosse ao mesmo tempo interessante e pouco explorado, já que precisávamos passar na seleção para fazermos nosso documentário (uma espécie de "peneirão", já que a faculdade dispunha de equipamentos e laboratórios limitados). Com o tema definido, precisávamos elaborar um pré-projeto e, para isso, lá fomos nós bater na casa de Abelardo, tentar conhecer um pouco da sua história e, claro, pedir sua autorização para produzirmos o vídeo.
Abelardo nos recebeu com um grande sorriso e gostou da ideia do vídeo. Foi logo contando, nesse primeiro encontro, toda a sua trajetória. Embora preservasse a humildade, ele sabia o exato valor de seu trabalho e de sua história, não apenas nas artes, mas também na política. Com as informações, ficou fácil convencer os professores e conseguir autorização para realizarmos o trabalho.
A partir de então, foram meses de intensa convivência. Abelardo e sua esposa, Margarida da Hora, nos deixavam completamente à vontade. Ficávamos horas e horas perguntando, olhando as fotos, as obras, as recordações da família. Só íamos embora na hora da aula, muitas vezes atrasadas! Ainda bem que eles moravam pertinho da Unicap, logo ali na Rua do Sossego. E era mesmo um lar sossegado, tranquilo, aconchegante. O engraçado é que, de vez em quando, tínhamos que explicar "o que era mesmo que nós estávamos fazendo". 
Aos poucos, nós, "as meninas da Católica", como eles nos chamavam, íamos conhecendo a história de Abelardo e nos encantando cada dia mais. Seu pioneirismo nas artes e na política. Suas brincadeiras e travessuras. E também sua força, sua compaixão, sua solidariedade. Conhecido por suas artes que enaltecem a beleza das mulheres, Abelardo fez muito mais. Foi fundador do Movimento de Cultura Popular, que levava cultura a quem não tinha acesso. Criou, também, o Ateliê Coletivo, formando uma geração de artistas e contribuindo muito para que Pernambuco seja hoje este estado tão orgulhoso de sua arte. Denunciou a fome e o sofrimento do povo de sua terra. Um de seus trabalhos mais famosos é a coleção de desenhos "Meninos do Recife", que retrata a vida e o sofrimento de meninos que viviam nas ruas e nas praças da cidade. Abelardo vivia repetindo que a sua obra era feita de amor e solidariedade.
Foram meses muito intensos, cansativos e prazerosos. Abelardo era não apenas a personagem do nosso documentário, mas atrevia-se a sugerir entrevistados e histórias que não podiam ficar de fora. Mais de que isso, sugeria ângulos de câmera. A gente, claro, fazia de tudo para respeitar a vontade do mestre.
No dia da apresentação do nosso projeto, Abelardo fez questão de ir assistir. E, muito mais de que a nota dez conferida pela banca, eu e minhas amigas vibramos mesmo foi com a aprovação do vídeo por ele. 
Desse periodo, guardo muitas lembranças, além de um desenho que Abelardo fez em uma dessas visitas. Mandei emoldurar e trouxe comigo para Brasília. Foi o primeiro quadro a enfeitar a parede da minha casa. Hoje tenho muitos, mas nenhum é tão amado e traz tantas recordações. 
Ah, não poderia jamais deixar de destacar o papel importante de Margarida em toda a trajetória de Abelardo, algo que ele mesmo fazia questão de ressaltar. Há alguns anos, recebi com tristeza a notícia do falecimento de Margarida. Lembrei com carinho de todos aqueles dias e de como ela não guardava os nossos nomes. Vivia nos perguntando e, sempre que respondíamos, ela dizia: "ah, são duas Renatas e uma Tatiana, igual a minha neta, não esqueço mais!" Era um doce, super delicada. Era companheira de Abelardo, ficava na retaguarda e lhe dava condições para produzir e brilhar.
Hoje, dez anos após a produção do nosso vídeo, morreu o nosso querido Abelardo. Foi reencontrar a sua companheira com nome de flor. Imagino os dois se abraçando ao som de sua canção preferida, que eu não conhecia, mas de tanto vê-los cantarolar, aprendi e nunca esqueci: "Vi, numa vitrine de cristal, sobre um soberbo pedestal, uma boneca encantadora... No bazar das ilusões, no reino das fascinações, num sonho multicor, todo de amor..."
Na verdade, acredito que o querido casal da Hora mudou-se. Deixou a Rua do Sossego e foi morar em outra, também muito famosa no Recife: a Rua da Saudade - que, a partir de agora, é também a Rua do Amor e da Solidariedade.






quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Tantas novidades!

Manuzinha, estou aproveitando um cochilo seu no meio da tarde para te escrever novamente. E tenho tantas novidades desde a última vez que te escrevi! Para começar, tenho que te contar que, antes de completar cinco meses, você já sentava sozinha. A sua pediatra disse que seu desenvolvimento é acima da média, o que encheu mamãe e papai de orgulho. Realmente, você é muito sabida!
Outra novidade é que você começou a comer frutinhas. É uma fase um pouco complicada. Eu tenho muito medo, um pânico mesmo, de que você se engasgue. Mas você come feito uma mocinha. Só que cansa logo, chora e quer a mamadeira. Mamãe tem se esforçado para fazer do momento da sua refeição uma grande brincadeira, para que você goste de comer e se alimente bem. Tomara que eu consiga. Até agora, você aceitou bem o suco de laranja, a pêra e o mamão, mas não gostou nada, nada da maçã e da banana.
Aliás, meu amor, já que estamos falando de alimentação, tem outra coisa que mamãe queria te contar. Quando você nasceu, você era muito pequenininha e demorou a ganhar peso. Por isso, nós tivemos que complementar a amamentação com o leite artificial. Essa foi uma decisão muito difícil para mim, pois eu tinha muito medo de que você não quisesse mais mamar. Mas eu já te disse que você é muito sabida, não disse? Meu amor, aos treze dias de vida, você aceitou a mamadeira com muita facilidade, mas também continuou mamando direitinho no peito da mamãe.
Ah, não posso esquecer outra coisa muito importante! Há três noites, você já dorme sozinha no seu quarto. Eu e seu pai ficamos com um pouco de receio, mas mais uma vez você nos surpreendeu. Você tem dormido muito bem, nós é que nos acordamos para te ver... Seu pai vai algumas vezes no seu quartinho durante a noite e mamãe acha lindo e fica ainda mais apaixonada por vê-lo cuidar assim tão bem de você.
Sabe de uma coisa? Mamãe não poderia ser mais feliz!

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Um belo exemplo

Quando eu cheguei em Brasília, eu não conhecia ninguém que morasse aqui. É verdade que, com o tempo, alguns amigos muito próximos mudaram para cá. Até a minha irmã querida veio passar uns meses. Mas, quando cheguei, conhecia apenas algumas amigas da minha mãe, que vinham por aqui a trabalho, uma vez ou outra.
E sempre que eu conto isso, as pessoas me perguntam se, então, eu sofri muito. Comentam aquele clichê de que os moradores de Brasília são "frios" e "individualistas". A minha resposta é sempre a mesma.
Nunca tive dificuldades para fazer amigos e tenho muita sorte. Sempre encontro gente muito querida pelo caminho. Todas as vezes em que eu "embarquei" sozinha para alguma aventura longe de casa, Deus colocou pessoas especiais à minha volta. Aqui, não foi diferente.
Não demorou muito para que eu conhecesse pessoas legais, que sabendo que eu estava sozinha, me convidavam para suas festas e baladas. Mas quem já viveu a experiência de mudar de cidade sozinho, sabe que não é no sábado à noite que o coração aperta de saudades de casa. Mas no domingo à tarde, quando a única opção é ir ao cinema, sozinho. Ou no feriado, na hora do almoço... Sem companhia, lá vamos nós a uma praça de alimentação do shopping!
Mas eu falei que tenho sorte, não? Pois é. Um colega de trabalho super gente fina me convidou para um churrasco, aniversário de um amigo dele. Consultei a minha agenda e, como não tinha nenhum compromisso, aceitei. (Ei, isso foi uma piada... Eu não conhecia ninguém, lembra? Topei na hora!)
E foi nesse churrasco que conheci a Silvinha - que, por coincidência (ou não), também estava lá a convite de uma amiga e sequer conhecia o aniversariante. Na volta para casa, ela me deu uma carona e este foi o início de uma grande amizade.
E o que essa amizade tem de diferente das outras? Simples. A minha amiga fez questão de dividir a família dela comigo. Primeiro, me apresentou o André, seu irmão. Tão diferente dela, que é mais tímida e reservada, André é extrovertido e falante - e logo também se tornou meu amigo íntimo. Em poucos dias, Silvinha e André me convidaram para almoçar (ou jantar, confesso que não lembro) na casa dos pais deles. Eu fui, claro, e me encantei desde esse primeiro dia por toda a família. O Mário, irmão mais velho deles, e Isabel, a mãe, também gostavam muito de conversar. Já o pai deles, dr. Fernando, e a esposa do Mário, a Simone, eram mais reservados, mas me receberam igualmente bem. Sabe essas pessoas de quem a gente gosta de sentar perto, para puxar conversa e descobrir histórias interessantes? Pois é. A forma como me receberam, com muita simpatia e sem cerimônia, me deixou muito à vontade. Tanto que, a partir de então, virei "habitué".
TODOS os sábados e TODOS os domingos, eu chegava na casa deles para almoçar e só saía depois do jantar. O André, com o jeito brincalhão dele, me provocava: "Renatinha, você por aqui de novo?" E eu ria, sem nenhum constrangimento. Porque não era intenção dele me constranger, mas me divertir. E isso era muito evidente.
O tempo passou e eu conheci muita gente. Depois, comecei a namorar, casei, tive minha filhota. Naturalmente, a minha freqüência àquela casa diminuiu bastante, mas o carinho por todos da família continuou o mesmo. O contato maior hoje em dia é principalmente com Silvinha, mas considero todos como amigos muito queridos.
Ontem foi um dia muito triste porque o dr. Fernando, pai da Silvinha, do André e do Mário, faleceu. E, em meio a toda a dor dessa querida família, eu queria muito dizer uma coisa: obrigada. Sim, isso mesmo. Muito obrigada, amigos.
Por terem me dado a oportunidade de assistir, ainda que de longe, a uma grande demonstração de amor. Desde que receberam a notícia da doença do dr. Fernando, esposa, filhos e nora se desdobraram para fazê-lo sentir-se bem e feliz. Para que as limitações da doença não o fizessem sentir diminuído ou incapaz. Formaram em torno dele uma verdadeira "rede" de afeto e gratidão. Não mediram esforços para realizar todas as suas vontades. O proporcionaram momentos felizes, como passeios no parque, almoços em restaurantes que ele escolhia, encontros com os amigos de quem ele sentia falta. No carnaval, ele disse que queria ir ao bloco "Pacotão" e, ignorando todas as dificuldades, lá foi a família com o dr. Fernando para o meio da folia.
Assistir a tanta dedicação, me trouxe sentimentos muito bons e um grande aprendizado. Vocês nem imaginam, mas além de cuidar do pai/marido/sogro, estavam dando um belo exemplo para todos nós, que temos o enorme prazer de conviver com vocês. Por tudo isso, muito obrigada.





quinta-feira, 28 de agosto de 2014

I don't wanna miss a thing

Manu, desde que você nasceu, mamãe não tem tempo para escrever. Mas eu sinto que preciso. Porque o tempo passa depressa, meu amor, e você já está com quatro meses e meio. Você já não é mais aquele bebezinho tão frágil que saiu da maternidade com apenas 2,340kg. Você é uma gordinha sapeca, falante e atenta a tudo. E eu preciso te contar tantas coisas, antes que o tempo passe mais ainda e eu já tenha tantas outras para contar...
A primeira coisa que eu preciso te dizer é que desde que você nasceu a nossa casa e a nossa vida é completamente diferente. Muito mais alegre e movimentada. Eu e seu pai já nos sentíamos muito felizes antes de você nascer, mas não sabíamos que você é quem iria nos ensinar o que é a verdadeira felicidade. Mas isso, embora tão absolutamente verdadeiro, é um grande clichê. E mamãe quer fazer uma cartinha muito individual, porque você é única, meu amor. Não existe no mundo ninguém igual a você.
E ao seu lado, não existe nenhum dia igual, nem chato, nem monótono, nem triste. Cada sorriso seu é um novo sorriso; cada brincadeira, uma reação nova, uma descoberta. E é por isso que mamãe não desgruda de você. Para não perder nada. Nenhum riso, nenhuma gracinha, nenhum choro, nenhum susto, nenhum soluço, nenhuma fralda. Sim, mamãe adora trocar suas fraldas. E você gosta muito do seu trocador, porque tem muitos brinquedos pendurados. Você começou a interagir com eles antes de completar três meses e agora você tenta toca-los, conversa com eles... É uma delícia! Seu brinquedo preferido é uma abelha de pelúcia. Só de olhar para ela, você abre um sorriso! Você também já aprendeu a fazer besourinho, dar beijinhos e fazer muitos outros barulhinhos com a boca.
Desde que você nasceu, minha bonequinha, mamãe não desgruda de você. Mesmo nos primeiros dias, que são muito cansativos, fiz questão de ficar com você 100% do tempo. Nada de enfermeiras ou babás, como todos recomendaram. Eu não quis abrir mão de nenhum minutinho com você. E eu te digo, meu amor, que foi a melhor coisa que fiz. Não troco por nada o que eu vivi e tenho vivido com você. É como aquela música: "I don't wanna close my eyes. I don't wanna fall asleep. Cause I'd miss you, baby. And I don't wanna miss a thing".
Mamãe tem que te contar que o seu pai é fantástico. E você é louca por ele. Quando ele chega, você ri muito. Ele brinca muito com você, cuida de você e canta também. Músicas que ele mesmo faz para você. Quem não queria um pai assim?
Você é uma menina muito tranquila, chora pouquíssimo e não dá trabalho. Mamãe e papai quase não acreditaram quando, com dois meses, você começou a dormir a noite inteira. Uma vez ou outra você acorda, é verdade, mas quem não?
Você é muito dengosinha e adora um colinho. E também gosta que mamãe fale baixinho no seu ouvido ou pertinho do seu rosto. É como você gosta de dormir (muitas vezes, puxando o meu cabelo). Você já tem suas vontades e preferências, sabia? Eu sempre quis cantar para você dormir, mas você não dorme assim. Fica de olhinhos abertos, me encarando. Será que eu canto tão mal, meu amor? rs
Agora você está numa fase de querer tocar em tudo. Anda até querendo segurar a mamadeira sozinha!  Mamãe fica toda orgulhosa. Outra novidade é o banho: você bate as mãos e as pernas na água e molha mamãe inteira. Você se diverte muito.
Meu amor, desculpe o tamanho desta carta. Ela nada mais é de que uma tentativa de registrar tudo isso. Para que esse momento mágico que eu estou vivendo com você nunca se apague, nunca se perca. Quero viver tudo, anotar tudo, filmar e fotografar tudo (seu pai até reclama do meu exagero). Mas é que "I don't wanna miss a thing".

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Tio Mano

Quando eu era criança, era o meu tio Mano que levava todos os sobrinhos para o parque nos fins de semana. Uma grande farra! Íamos todos juntos, muitas vezes em um fusquinha emprestado da minha tia. E, vejam bem, eu estou falando de DEZ CRIANÇAS! Todas loucas por ele.

Tá, eu sei, hoje em dia é fácil agradar a criançada. Basta levar a turma toda no Mac Donalds e comprar um lanche com um brinquedinho para cada um. Mas eu estou falando de um tempo em que, para ser o tio querido, era preciso esforços maiores, como, por exemplo, conseguir juntar todas as tampinhas de refrigerante necessárias para completar a coleção inteira dos copos dos trapalhões para cada um dos dez sobrinhos. E ele conseguia! Nem que para isso precisasse sair recolhendo nas casas dos vizinhos, nos bares, nas lanchonetes...

Um dia, cheguei em casa com uma tarefa diferente. Precisava levar para a escola uma lista de “frases de para-choque de caminhão”. Eu não fazia a menor ideia do que se tratava e fui perguntar à minha mãe, que também não conhecia muitas, mas me deu uma solução: ligue para tio Mano, ele vai saber. E não é que o meu tio rapidamente encontrou as melhores frases para mim? Bom, vale ressaltar aqui: o Google ainda estava muito longe de existir. 

Eu era muito pequena, mas lembro-me bem que todo mundo vivia pedindo para ele resolver problemas, que iam de consertar um chuveiro a encontrar um produto que estivesse em falta no mercado. Ele acabava encontrando. Na nossa família, a gente ouvia muito a frase: “pede a Maninho, ele dá um jeito”. Resumindo, amigos, meu tio Mano era o que chamamos, na minha terra, de “pau para toda obra” (pessoa que está sempre pronta a ajudar e que não se recusa a fazer nenhum tipo de trabalho).


Enfim, quando o meu tio morreu, eu tinha apenas oito anos e sofri muito tentando entender porque ele tinha ido embora tão cedo. Na minha inocência de criança, a única resposta que encontrei foi a seguinte: Deus devia estar com algum problema muito complicado. Desses que só o meu tio Mano poderia resolver. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Bravo, bravo!

Já faz algum tempo que eu comecei a sentir Manuela dando piruetas na minha barriga, o que tem se tornado cada vez mais frequente. Agora, ela passa o dia inteiro se movimentando. E, talvez anunciando o que vem pela frente, a madrugada também.

Às vezes, ela se mexe tanto, que eu me acordo e demoro a dormir. Fico imaginando a carinha dessa sapeca, rolando sem cerimônias de um lado para o outro. Sem sono, nem penso em contar carneirinhos. Começo, isso sim, a contar os saltos e as cambalhotas da minha pequena acrobata. Chego a cantarolar baixinho: “Uma pirueta, duas piruetas! Bravo, bravo! Super piruetas, ultra piruetas! Bravo, bravo!”

Quando ela faz algum movimento com mais força, quase reclamando da minha posição, eu sinto uma dorzinha nas costas. E, rindo sozinha, lembro-me de outro trecho da música: “Ai, minhas costelas! Já tô vendo estrelas! Bravo, bravo!”

Ao meu lado, meu marido dorme tranquilamente, assim como a cidade toda lá fora. Ninguém faz ideia de que, dentro de mim, está acontecendo o maior e mais lindo espetáculo circense de todos os tempos. O Cirque de Soleil que se cuide!

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mais uma bonequinha Manu

Certo dia, na minha infância, minha mãe estava falando sobre o meu apego e de minhas irmãs com o nosso pai, Manoel - às vezes, eu chegava a ficar doente quando ele viajava.  “Eu devia ter colocado o nome Manuela em uma de vocês”, avaliou, sem saber o quanto aquele comentário iria me tocar. Eu concordei com ela. E, no auge dos meus seis ou sete anos, tomei uma importante decisão. “Não se preocupe, mainha, esse vai ser o nome da minha filha” – o que ela, provavelmente, não deve ter levado tão a sério. Mas eu sim. 
A partir de então, todas as minhas bonecas passaram a ter o mesmo nome. Mas cada uma das Manus era diferente para mim. Tinha uma pequenininha, que tinha cabelos loiros e usava uma meia listrada. Tinha a Manu “frutinha”, que tinha cheiro de laranja. Tinha uma Manu de tecido, com cabelos de fios de nylon. E tinha a Manu bebê, por quem meu coração sempre bateu mais forte. Era uma boneca de tamanho médio, toda de plástico, dessas que tem só uma mechinha de cabelo – que eu fazia questão de enfeitar com lacinhos e fitinhas. 
Lembro de arrumar cada uma delas para “dormir”, espalhando suas caminhas pelo chão do meu quarto. Minhas irmãs, que dividiam o quarto comigo e nunca acharam muita graça nesse tipo de brincadeira, sempre iam reclamar da bagunça para a minha mãe. Na maioria das vezes, no entanto, ela deixava as “netas” ficarem morando ali durante alguns dias. Eu adorava e a retribuía com beijos e gratidão! Era uma felicidade! E é por isso que hoje eu estou assim tão contente. Por saber que, em breve, eu voltarei à minha brincadeira preferida. E, como não poderia deixar de ser, com uma bonequinha chamada Manuela. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sobre o incêndio no MiniCom - desabafo

Ministro Paulo Bernardo, boa noite. Meu nome é Renata Maia, sou jornalista e trabalho na Assessoria de Comunicação do Ministério das Comunicações. Estou escrevendo porque sinto que não posso me calar diante do ocorrido na última quinta-feira. Mas vou começar pelo início.

Em fevereiro deste ano, eu estava com meus colegas trabalhando normalmente quando uma jornalista que trabalha no Comitê de Imprensa ligou nos avisando que o prédio estava pegando fogo. Ao abrir a porta da nossa sala, já foi possível ver bastante fumaça no corredor. Voltei correndo, avisei aos colegas, e descemos os sete andares de escada correndo, sem nenhuma orientação. Sim, senhor ministro, foi exatamente assim. Nada de brigadistas, alarmes, luzes, orientações. Descemos uns acalmando os outros e todos respirando aquela fumaça preta. Foi um grande susto. Saí do prédio e demorei até conseguir entender o que tinha acontecido. Muitos ficaram especialmente assustados pensando na tragédia recém-ocorrida em Santa Maria (RS).

Dois dias depois, porém, voltamos todos ao trabalho, sem receber nenhuma satisfação. Vi na imprensa alguém afirmando que se tratava de uma “fatalidade”, que os brigadistas agiram muito rápido e que ninguém se machucou – embora eu também tenha sido informada de que duas ou três pessoas precisaram de algum atendimento médico.

O ocorrido me deixou bastante assustada e talvez até traumatizada. Várias vezes, de lá para cá, eu comentei com os colegas que estava “sentindo cheiro de queimado” e corri para olhar a porta em frente a minha sala, que dá exatamente para um vão localizado em cima da tal subestação de energia elétrica. Algumas vezes, cheguei a chamar os brigadistas. Vários colegas concordavam comigo e também ficavam aflitos diante da falta de informação e da notória falta de estrutura do prédio (basta observar o barulho dos elevadores, que parecem sempre que vão despencar – não sei se o mesmo acontece no elevador privativo).

No mês de agosto, ministro, eu recebi a notícia mais importante da minha vida: estou grávida. Uma gravidez tranquila e muito esperada. É claro que esse fato me fez ficar ainda mais apreensiva cada vez que o tal cheiro de queimado aparecia. Às vezes, vinha de incêndios do lado de fora, outras vezes da eterna reforma dos elevadores. E eu continuava tentando me convencer que eu estava “paranoica”. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas cai.

Na última quinta-feira, eu estava trabalhando normalmente, quando senti vontade de comer alguma coisa. Como o trabalho na assessoria estava tranquilo, chamei minha colega Danyella para ir comprar um lanche comigo, em uma banca que fica localizada em frente ao Ministério da Justiça. Compramos o lanche e íamos levar para comer na sala mesmo. Ao chegarmos em frente ao prédio, vimos várias pessoas saindo de lá correndo. Algumas precisaram ser carregadas. Eu e minha colega fomos informadas de que havia, outra vez, um incêndio no prédio. É claro que nós nem subimos mais. Dessa vez, o número de pessoas que precisou de atendimento médico foi bem maior: pelo menos 30 – entre elas, uma gestante. Tenho muita fé e a certeza de que Deus me tirou dali na hora certa.

Soube pelos colegas que havia mais fumaça que da outra vez. E que as pessoas desceram gritando, correndo, largando bolsas e sapatos pelo caminho. Imagino que a situação não teria feito nada bem a mim e ao meu bebê. Mesmo do lado de fora, me preocupei com amigos, fiquei trêmula e chorei pensando que algo de mal poderia ter acontecido.

No mesmo dia, à noite, comecei a sentir uma dor na barriga. Achei que era normal e fui dormir. No outro dia, como a dor não passou, fui à emergência da Maternidade Brasília. Lá, os médicos que me atenderam perguntaram se eu tinha passado por alguma situação estressante e, ao contar sobre o ocorrido, concluíram que meu útero estava se contraindo devido a uma descarga de adrenalina. O bebê, graças a Deus, estava bem. Coincidentemente, encontrei outra servidora do MiniCom, também grávida, no hospital. E ela estava lá pelo mesmo motivo.

Os médicos me passaram um remédio e me recomendaram “evitar situações de estresse”. Mas como posso evitar, ministro, se já fui informada de que nada muito impactante foi feito e que, a partir de terça-feira, estarei de novo no sétimo andar de um edifício que parece ter uma “bomba-relógio” em seu subsolo? Como ficar calma sabendo que, a qualquer dia e hora, posso novamente precisar descer correndo os sete andares, respirando aquela fumaça preta no caminho?

O que mais incomoda é ver o discurso oficial de que foi uma fatalidade e que na terça-feira “tudo voltará ao normal”. Como se as pessoas fossem máquinas, que a gente “reinicia” e elas voltam a funcionar. Eu não sou uma máquina e não, eu não voltarei à normalidade nesta terça-feira. Nem os meus colegas. Poucos, porém, terão a coragem de admitir isso publicamente. Como se fosse errado nós querermos um direito tão básico: o de trabalhar em um local seguro.

Renata Maia