quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Se eu não gosto do Recife?

É sempre bom ir ao Recife, reencontrar as pessoas que eu amo: minha família e os amigos de infância. É maravilhoso estar com eles e perceber que os sentimentos verdadeiros são mesmo para toda a vida (e para além dela, quem sabe). No entanto, não posso negar que também sofro sempre que volto à minha cidade, ao lugar onde nasci e cresci, onde aprendi a “ser gente” - como diria a minha mãe, onde dei os meus primeiros e importantes passos, onde construí laços de amizade importantíssimos. Minha cidade já não é a mesma. E eu fico lá, olhando, olhando, procurando pelo meu Recife... Mas ninguém sabe, ninguém viu.
O meu Recife de ruas tranqüilas pelas quais eu caminhava todos os dias, sozinha, até o meu amado Colégio das Damas. Aquele Recife em que eu morava num edifício sem guaritas, sem grades, sem vigias, sem câmeras de segurança... Brincava na calçada, com a porta de casa escancarada, acreditam?
Lembro que os pedintes chegavam perto da janela de casa (eu morava no térreo) e batiam palmas, aí a gente levava, sem medo, a comida que já ficava sempre separada para essas figuras conhecidas nossas. Algumas vezes, eu bem me lembro, a minha mãe abriu a porta de casa e os deixou entrar para tomar banho, e até cuidou de ferimentos deles. Hoje, ninguém mais abre a porta de casa para ninguém. Ninguém pára sequer para socorrer uma vítima de acidente. Afinal, “pode ser mais um golpe”. Nesse mesmo Recife, onde moradores de rua podiam entrar em nossas casas, ninguém mais tem sequer a coragem de abrir os vidros dos carros. E eu fico me perguntando "o que fizeram com a minha cidade, meu Deus?!! Quando será exatamente que ocorreu essa transformação?"
Como moro há mais de três anos fora da cidade, é comum as pessoas me perguntarem se tenho planos de voltar para a minha terra. Quase sempre, surpreendem-se com o meu “não” tão definitivo. Sempre explico que é claro que posso acabar voltando, afinal, “ninguém sabe o dia de amanhã”. Mas digo com firmeza que esse não é o meu objetivo. As pessoas de lá ficam ressentidas, fecham a cara, questionam se eu não gosto do Recife...
Pelo contrário: sou louca por minha cidade. Faço questão de não perder meu sotaque e adoro quando percebo que as minhas referências aqui em Brasília são “Renata, a pernambucana” e “Renatinha do Recife”. Fazendo jus à fama de bairrista dos pernambucanos, vivo contando por aqui todas as coisas maravilhosas que temos em nossa cidade, em nosso estado.
A verdade, por mais estranha que pareça, é que eu amo tanto a minha terra que tive que sair correndo de lá antes que não pudesse mais amá-la... Tive que fugir antes que as boas lembranças da infância fossem substituídas pelo estresse do trânsito maluco, pelo pânico de andar nas ruas, pelo medo da pessoa que está no carro ao lado, ou na moto, ou na esquina, ou no sinal. Fui embora do Recife para continuar amando-o. Vivo longe da minha terra para querer estar perto. O Recife da minha lembrança é muito melhor, mais bonito e mais apaixonante do que esse Recife que está lá agora, entre buzinas, automóveis, fumaça, barulho, confusões, assaltos, assassinatos... E as pessoas, que já se acostumaram ao caos, comentam sobre o último assassinato com a indignação de quem fala sobre o absurdo do preço da gasolina...
É triste ver meu Recife assim. Minha cidade é infinitamente mais bonita na lembrança de quem, como eu, cresceu entre o Parque da Jaqueira, o Parque Santana, o Treze de Maio... Quem freqüentava o zoológico ali em Dois Irmãos, quem esperava pela Festa da Vitória Régia ansiosamente... Meu Recife tem o sabor do milho da esquina da Rua Neto de Mendonça, dos churros que eu comia na saída do colégio, do caldinho de feijão do botequinho lá de Água Fria, da batata-frita que o moço vendia pertinho do Clube Português...
Na minha memória, amigos, o Recife é a melhor cidade, a mais bonita, a mais saborosa, a mais encantada... Mas precisei sair de lá para continuar amando a minha cidade e “enchendo a boca” para dizer, como na canção, que eu “sou do Recife, com orgulho e com saudade”.
Se eu não gosto do Recife? Não existe ninguém que ame mais aquela cidade e foi justamente por isso que vim embora na primeira oportunidade que tive. Para não ter que ver o meu amor pelo Recife acabar...

4 comentários:

Anônimo disse...

Dizem que é bom que chegue o fim antes da decadência...acho que é isso que você sente, né, amiga? Partiu antes que fosse difícil ter tantas lembranças boas, né? Não tenho dúvidas do quanto você ama nossa cidade. Inclusive, você nos ajuda a resgatar esse amor cada vez que à casa torna. E como boa nostálgica saudosa do Recife de anos atrás, entendo, sim, que você não queira voltar a viver aqui. Mas é bom demais ter certeza que as visitas serão sempre frequentes :)
Cheiro grande de ano novo, amiga!

Anônimo disse...

Eu entendo perfeitamente o que voc~e diz.
Há dez anos que estou "aqui e lá" ou, Recife - Brasília pelo menos duas vezes ao mês estou mudando de cidade. É muito diferente a vida e a segurança ou insegurança em cada uma delas. Se fosse jovem como você faria amesma escolha, não só pelos motivos que você citou, mas pelas oportunidades prfissionais que se pode ter no Planalto Central. Mas de qualquer modo, estar em casa é estar em Recife. Infelizmente com medo de ir na esquina....

Unknown disse...

Tati só hoje li seu texto. Mais um fantástico! Suas palavras são as de muitos Pernambucanos que sentem e nem sempre desabafam assim. POsso pedir licensa pra levantar um pensamento meu???

Essas mudanças na nossa cidade são muito claras! E pra quem saiu há 6 anos elas são gritantes.

Hoje escuto comentários no Sul e Sudeste que me deixam triste a respeito da minha cidade. Um exemplo destes comentários é o culto a "vadiagem" instalado pelo bolsa-família muito bem acolhido pelas "massa" que é a maioria em Pernambuco. O grande centro industrial privado que existe aqui, responsável pela maior geração de dinheiro do país, está se sentido ofendido de trabalhar num ritmo alucinante nessas empresas, pagar impostos altíssimos e sustentar essas pessoas que passaram jogar sinuca no interior de Pernambuco com a garantia da mesada no fim do mês! Lógico que o bolsa família é para o brasileiro, não apenas para o Pernambucano...mas a nossa região (Nordeste), infelizmente, é a maior usuária disso.

Eu também não pretendo voltar ao Recife pra morar. Prefiro assim como você, ter lembranças e passar aos amigos daqui as coisas maravilhosas que vivi por aí. As praias únicas com águas quentes e deliciosas que faço questão de frequentar sempre que posso!!!!!!
Me entristece ver nossa cidade, falindo moralmente! E pelo contrário do que pensam que somos, chatos, metidos ou coisa parecida, nosso amor é tanto que dói ouvir e ver a decadência do mundo encantado!

beijãoooooooo


Desculpa o mega comentário rsss
beijão Dani

Anônimo disse...

Entrei no google e li sobre sua saudade... eu não nasci em Recife mas sou de lá. De lá saí para morar no Rio, depois Campinas. Em em Campinas só pensávamos, meu marido e eu, em retornar ao nordeste. Sendo cearense, meu marido queria o ceará e, sendo eu pernambucana de coração e mente, queria pernambuco, Recife! E viemos para Fortaleza! Estou sempre indo a Recife, buscando este mesmo lugar encantado onde voce viveu. A cada vez que chego lá penso que certos sonhos são para serem sonhados, não realizados. O sonho de voltar para Recife deve permanecer uma utopia para que eu sempre possa encontrá-lo na minha casa psicológica. Também não sei como toda essa transformação começou mas ela esta aí. Quando eu era adolescente e via filmes sobre a 2a. guerra mundial eu me perguntava por que aquelas pessoas não perceberam o que estava acontecendo.Agora eu já sei a resposta: porque o mal se instala de mansinho, sem alarde e só depois de instalado é que dar-se a conhecer. Mas nós amamos nossa terra e, de mansinho, vamos começar a cuida dela novamente.
Com carinho,
Liana